sábado, 4 de junho de 2011

Até os cachorros protestaram: reflexões sobre o II #ForaMicarla nas ruas…


Moro em Natal há quase dezoito anos, considero-me natalense, apesar de carioca. Participei de diversas manifestações sociais, seja em busca da manutenção de direitos conquistados pelos estudantes, como se deu entre 2003 e 2004, ou ocupando a Reitoria da UFRN como forma de expressarmos nossa indignação com a possível aplicação de práticas neoliberais. No entanto, sempre fiz coro com todos os que afirmam que os natalenses cultivam historicamente certa passividade diante dos abusos de seus governantes. Eu vinha mesmo desencantado com a possibilidade de alguma reação, temendo que nossa paciência fosse maior do que a do povo egípcio, por exemplo, que suportou uma ditadura por mais de trinta anos. Costumava dizer que se o que a atual prefeita – com seu apelido que ofende as belíssimas borboletas – e a caríssima governadora estivessem administrando outras capitais e estados, já teríamos visto a cidade de cabeça para baixo.

Felizmente parece que parte da população acordou, essa segunda manifestação do #ForaMicarla foi um belo protesto sem as aspas, como colocou um importante veículo da mídia impressa. Se no primeiro não pude participar presencialmente, dessa vez não tinha quem me segurasse. Fiz toda a manutenção na minha fiel bicicleta e parti para o Machadão. Como esperado, devido ter saído de casa com uma hora de atraso, ao chegar lá, após quarenta minutos, encontrei apenas o trânsito “meio bagunçado” desde a prudente: amarelinhos e PMs tentando guiar os motoristas por caminhos alternativos. Por que? Ora, porque a BR estava interditada, não por baderneiros ou vândalos, mas por diversas pessoas, de todas as idades – e não só “jovens”- cor, gênero e classe social, foram caminhado até o Natal Shopping.

Foi bem divertido andar livremente pela BR ziguezaguenado, até chegar próximo de uma viatura policial e perguntar – como quem tá assustado: “O que está havendo ai?” (é o besta). O policial, sem demonstrar raiva do ocorrido, apenas respondeu: “Uma manifestação da população contra a prefeita”. Dali já ouvia claramente o som dos tambores do pessoal que participa do grupo Pau e Lata, misturando-se com os sons de buzina, hora em apoio – como eu nunca tinha visto – hora em sinal de revolta pelo bloqueio da passagem.

Poucas foram as vezes que podemos ver tantas tribos reunidas ao mesmo tempo. Tinha para todos os gostos, até variações do @pintanatalense e do @gadelhajunio. Estes últimos conseguiram estacionar seus carros e seguiram a pé. Vi ciclistas – em sua maioria pessoas de classe média da cidade – interrompendo seu passeio para seguir a multidão, inclusive usando suas bicicletas para bloquear a passagem dos carros. Vi faixas, bandeiras, camisas pixadas… Até uma cadela vestida com uma camisa da grife #ForaMicarla pôde ser visto.. Ah, ainda falando sobre as bandeiras, cartazes, etc, existiam alguns bem divertidos – como o “Caça borboletas” – e outros que refletiam bem o “espirito da coisa”, como a bandeira do “Partido dos sem partido”. Realmente um dia memorável, daqueles para não ser esquecido de maneira alguma. Até a, normalmente truculenta PM, cumpriu seu papel de proteger os cidadãos, intervindo em situações delicadas, como no momento em que abordaram um grupo de pseudo-manifestantes supostamente armados, que, dizem, estariam ali apenas para atrapalhar.

Ora, já não bastam os poderosos veículos da mídia impressa tentando fazer isto? Buscam deslegitimar todo um movimento, movido pela indignação das pessoas, e não por politicagens como foram algumas noticias veiculadas na mídia, que em seu ridículo discurso sobre imparcialidade deixa claro a que diabo vendeu a sua alma: um com asas de borboleta. Querer descaracterizar uma manifestação legítima do POVO, porque as pessoas estavam tomando uma cervejinha, é um pouco demais, não? Ok, da próxima dez vamos fazendo uma procissão e nos autoflagelaremos, ok? NÃÃÃO!!! O número de pessoas nas ruas aumentou, o trajeto também, e isto é ignorado enquanto movimento político, representado como “oba-oba”? Poupem-me disso!

Não quero ser romanesco, mas tenho a impressão que este tem sido um movimento que definitivamente não pode ser apontado como estando preso a uma categoria profissional ou muito menos a classes sociais específicas. Exemplo do que digo foi o apoio dos ciclistas, gente, em geral, da classe média alta da cidade, moradores da zona sul da cidade, que, em sua maioria, têm seus belos e potentes carros – conheço muitas dessas pessoas – interromperam seu passeio periódico para ajudarem a interromper o trânsito, e ao contrário das pretensões de uma determinada juventude partidária, tal como toda a galera que foi para as ruas, não precisaram de gente com alto-falantes, que mais pareciam berrantes ao tentar dirigir uma boiada (ainda estão no tempo do “Êeee, Ôooo, vida de gado…”), lhes mandando fazer isso ou aquilo. Os ciclistas, até onde pude notar, apenas notavam as necessidades urgentes e agiram.

Falando em alto-falantes, berrantes, e outros desagradáveis símbolos de poder… talvez a única coisa que tenha a lamentar sobre ontem foi a, felizmente frustrada, tentativa de aparelhar – tomar como seu – o movimento. Vi diversos membros de partidos, festejei (Sim festejei! Algum acha que não estávamos em festa?) com alguns destes, os quais, sabendo de nossas oposições ideológicas, não me veem como inimigo. Estes sabiamente deixaram as bandeiras de suas legendas político-partidárias em casa, se misturaram ao povo do qual inegavelmente fazem parte. Vi alguns poucos militantes com bandeiras amarradas ao corpo, mas nada de tão grave, talvez não tenham compreendido que naquele espaço, tais bandeiras não coubessem .

Isto é bem diferente de confeccionarem faixas, tipo offset, camisas e levarem diversos alto-falantes (berrantes). Era um desses nas mãos e uma bandeira na outra, pareciam uma mistura dos cavaleiros das antigas cruzadas cristãs com blocos do Carnaval de Caicó, todo mundo bem fantasiado com seus kits #ForaMicarla. Durante um rápido instante aquela multidão pareceu ceder a essa pretensão megalomaníaca de uma juventude supostamente socialista (Tenham medo, eles são stalinistas) , quando os “peões urbanos”, usando seus alto-falantes – monopolizados por seu grupo – pediram para a galera se sentar, em frente ao Via Direta, e foram atendidos, conseguindo até um “jogral” – uma estratégia bem antiga dos movimentos sociais, onde alguém fala e todos os outros repetem para que ninguém deixe de ouvir a mensagem.

Felizmente esta foi a única tentativa que lhes logrou algum sucesso. Por vezes pude presenciar a total indiferença das pessoas as suas investidas. Até negociarem com a polícia, como se isto fosse algo necessário, eles ficaram fazendo. Houve até uma figura que falou em “decisão tomada em assembleia”, sobre qual trajeto faríamos. Mais uma vez foram ignorados. As pessoas ali, mesmo com suas latinhas de cerveja em punho – o que, repito, não desmerece em nada o movimento – pareciam saber discernir as intenções.

Bem, que isso não apague o desejo de mudança e nossa insatisfação, mas que fiquemos “sempre alertas” com oportunismos do tipo. A visibilidade e aceitação crescentes do #ForaMicarla atraem esse tipo de oportunismo, como o mel atrai as abelhas. São grupos políticos que vem se enfraquecendo, tentando estender suas influencias para além de instancias estudantis – de importância histórica para o país – que já perderam sua credibilidade, como um grande polvo que se vê enjaulado com dificuldade de se alimentar de suas supostas presas.

Vamos paras as ruas, mais uma vez, mas de olho nessas figuras, que seduzidas pelo poder de mandar, se colocam como delegados, capazes de falar por todos. Por fim há de se lembrar do que diz o sociólogo Pierre Bourdieu sobre isso: “Mas isso não é tudo, não só há o risco de que a delegação dissimule a verdade da relação de representação, como também o paradoxo das situações em que o grupo só pode existir pela delegação a uma pessoa singular – o secretário-geral, o papa, etc – habilitada a agir como pessoa moral, isto é, como substituto do grupo.”

Estamos e continuaremos de olho!!! #ForaMicarla, #ForaRosalba e fora esses demais oportunistas…
Fonte : carta potiguar

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